“Se
eu ganhasse um real por cada decepção, ficaria decepcionado em
Paris”
“se
decepção ensina, já tenho faculdade”
“muita
confiança gera decepção”
Se
você se identificou com alguma frase dessa, se você já as disse ou
compartilhou vários memes da decepção, continue a ler esse texto e
não será decepcionado com o que a filosofia pode fazer por você –
se você permitir, certo? Então, vamos lá.
Decepcionar-se
é sentir-se enganado/a por alguém em quem se confia ou confiou sem
reservas. É ser exposta/o a algo sobre alguém que não se esperava
que tal pessoa fizesse (ou não fizesse). Em seguida começa a
autoflagelação verbal e psíquica seguida do amaldiçoamento do
mundo que, obviamente, está totalmente contra você, pessoa boa,
boazinha, um anjo angelical (redundante de propósito) que “nunca
fez mal a qualquer ser vivo”.
Pois
bem, essa atitude pode ter outros nomes: chororô, mimimi,
fragilidade emocional ou (inspirando-se na telenovela clássica
Chiquititas) coração com buraquinhos – agora começa na sua mente
o refrão: “tenho um coração com buraquinhos/e não posso me
curar”…
Mas
antes que você sinta-se decepcionado/a com esse texto, invoco a
autoridade polifônica para me salvaguardar de sua fúria (e
decepção): Sêneca, pensador romano, desenvolveu algumas ideias
sobre a frustração que nos toma quando não temos nossas
expectativas atendidas. Segundo ele, essa sensação de trouxa (termo
moderno) que nos invade é oriunda de nossa idealização sobre as
pessoas, sobre o mundo que nos cerca e sobre nós e o que acreditamos
que somos.
Funciona
assim: pensamos que tal ou qual pessoa é aquilo que ela nos expõe
ou aquela característica que mais nos atrai e essa atração pode
ter relação com o que nos falta ou com o que gostaríamos de ser ou
ter em termos de atitude. Buscamos uma espécie de complementação,
a tampa da panela, o sapato para o pé podre, a corda para nossa
caçamba entre vários termos populares para fazer referência à
suposta “alma gêmea” (toca Fábio Jr. agora...)
É
aí que está a grande armadilha que armamos para nós: não somos
sempre aquela atitude que apresentamos para o mundo, essa atitude é
apenas mais uma das nossas máscaras sociais. Não quer dizer que
somos marcadas/os pela falsidade, quer dizer apenas que dependendo da
situação agiremos de determinadas maneiras, que somos mutáveis,
que atendemos às necessidades de sobrevivência de cada situação.
Sim,
sobrevivência, porque cada lugar social que ocupamos é marcado por
comportamentos que temos que repetir se quisermos continuar sendo
aceitas/os nesses lugares. Para além de certo e errado, devemos
entender o que ocorre e como acontece.
Assim,
se queremos continuar sendo vistas/os como legais, gente boa, mente
aberta e outras classificações sociais e cotidianas, buscamos
repetir as tais atitudes aprovadas pelas pessoas, pelos grupos, pela
sociedade. Assim é que semeia-se a expectativa que germinará na
grande decepção - ou decepções, afinal, para se decepcionar
basta estar viva/o e convivendo com outras pessoas.
Como
as pessoas não conseguimos manter o tempo inteiro a mesma atitude em
todas as situações e todos os lugares e com todas as pessoas e com
as mesmas pessoas que convivemos, em algum momento a “casa vai
cair”, opa, quer dizer, a “máscara”. A suposta queda da
máscara vai revelar o que se tentou esconder, pelo menos daquela
pessoa (ou pessoas), daquele contexto, enfim. A decepção, então, é
fruto de uma rede de expectativas criadas e reproduzidas em escala
social, planetária, universal – exagero, mas o exagero ajuda a
pensar o que é exagerado.
Pense
direitinho: a pessoa te decepcionou ou você esperou demais dela? A
pessoa foi mal caráter ou você criou expectativas que não foram
supridas por alguém que NÃO TINHA OBRIGAÇÃO ALGUMA COM O QUE VOCÊ
GOSTARIA QUE ELA FOSSE OU GOSTARIA QUE ELA FIZESSE?
Está
em caps lock para demarcar mesmo, para que possamos pensar na grande
rede de expectativas irreais sobre o que não podemos controlar e
sobre quem não tem obrigações com o que sentimos. Antes que você
pense: então devo agir da maneira que bem entender, não considerar
os sentimentos das outras pessoas porque “não são problemas meus,
não posso ser culpado/a porque as pessoas acreditam em mim ou me
amam?”
Sim,
se agir da maneira que bem entender for, antes de tudo, responder aos
questionamentos: o que falo está de acordo com o que sinto? O que
faço é coerente com o que penso ou com o que quero realmente fazer?
Eu gostaria que as outras pessoas no mundo agissem – todas elas –
da maneira com a qual agirei? Nesse ponto é crucial a sinceridade
consigo pois, muitas vezes, responderemos que sim porque queremos
apenas satisfazer nossos desejos.
Para
Sêneca, lidar com o sentimento de frustração e fúria que seguem a
uma decepção diz respeito a esperar das pessoas apenas o que elas
podem, de verdade, nos oferecer. Como saber o que as pessoas podem
nos oferecer de verdade? Resposta angustiante: não tem como saber
com total certeza. A solução é o que modernamente se chama “manter
as expectativas baixas”, “esperar o básico e não o especial com
adicionais de fábrica”.
Esperar
o humano mas, o que o humano é além de um poço sem fundo de
contradições, uma cacimba de paradoxos, uma estrada de conflitos
renitentes? Não prestamos muita atenção (na verdade não prestamos
nenhuma atenção) nas pessoas de mais idade quando elas nos alertam
sobre os perigos da falta de cautela, da crença desprovida de
questionamentos, da cegueira inconsciente (?) sobre os “defeitos”
das pessoas que amamos (ou acreditamos amar).
Isso
não quer dizer não devemos viver a vida com todas as suas
possibilidades, quer dizer que devemos aprender com as decepções
pois elas são inevitáveis, principalmente quando começamos a
caminhar com nossas próprias pernas e a pensar a partir de nossos
próprios juízos. Algo que as decepções podem nos ensinar é que
só se decepciona quem cria expectativas sobre algo que não pode
controlar e entre o que não controlamos estão os pensamentos, os
sentimentos, as decisões e as ações das outras pessoas.
Marisa
Monte nos presenteou com uma canção que pode ser escutada e lida a
partir dessa aceitação do que as pessoas podem nos oferecer:
DEPOIS
Depois de sonhar tantos anos
De fazer tantos planos
De um futuro pra nós
Depois de tantos desenganos
Nós nos abandonamos como tantos casais
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também
De fazer tantos planos
De um futuro pra nós
Depois de tantos desenganos
Nós nos abandonamos como tantos casais
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também
Depois de varar madrugada
Esperando por nada
De arrastar-me no chão
Em vão
Tu viraste-me as costas
Não me deu as respostas
Que eu preciso escutar
Quero que você seja melhor
Hei de ser melhor também
Esperando por nada
De arrastar-me no chão
Em vão
Tu viraste-me as costas
Não me deu as respostas
Que eu preciso escutar
Quero que você seja melhor
Hei de ser melhor também
Nós dois
Já tivemos momentos
Mas passou nosso tempo
Não podemos negar
Foi bom
Nós fizemos história
Pra ficar na memória
E nos acompanhar
Quero que você viva sem mim
Eu vou conseguir também
Já tivemos momentos
Mas passou nosso tempo
Não podemos negar
Foi bom
Nós fizemos história
Pra ficar na memória
E nos acompanhar
Quero que você viva sem mim
Eu vou conseguir também
Então,
as decepções compõem as expectativas generalizadas que são
construídas socialmente a partir de papeis sociais que muitas vezes
não percebemos que estamos cumprindo. Essas expectativas são
irreais, muitas vezes inalcançáveis e uma forma de quebrar esse
ciclo vicioso é aceitar que todas/os somos humanas/os em primeiro
lugar. Pai, mãe, avó, avô, filha, filho, amigo, amiga, primo,
prima etc são papeis sociais nos quais estão atreladas as posições
sociais e as expectativas relacionadas com elas.
É
simples, mas não é fácil porque o lugar do martírio, do
sofrimento causado sempre pelas outras pessoas (malvadas, malvadas,
malvadas) é mais cômodo e valorizado. A decepção é irmã do
sofrimento por amor, afinal, amar não é sofrer? NÃÃÃÃÃÃÃÃO
É NÃÃÃÃÃÃÃO! Mas esse é assunto para Nietzsche em outra
postagem.

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