Após a deflagração de greve da polícia militar, seguiram-se cenas de saques,
violências e reações que lembraram os mais clássicos filmes de distopias, de
mundos em decadência, de perigo para tudo e todos. Nesse momento é invocado tal
qual um pokémon, o pensador Thomas Hobbes e sua ideia de estado de natureza e a
clássica e muito repetida frase: o homem é o lobo do homem.
ORDEM!
ORDEM! ORDEM! Grita-se aos quatro ventos feicebuquianos (das janelas de lares “amedrontados”,
que é bem fora de moda, mas ainda em voga, também) para garantir a segurança e
... a propriedade.
Sai de casa
para vender aulas e fui testemunha do que estava acontecendo em vários lugares –
considerando que tive que arrodear a cidade para chegar em casa devido ao fato
de muitas pessoas, ao mesmo tempo, terem a mesma ideia que eu: em casa é mais
seguro.
A partir do
que vi, penso ser interessante considerar alguns pontos:
1. A RESPONSABILIDADE (culpa, não...
é simplório demais) PELOS SAQUES NÃO É DA PM. Não foram os PM’s que saquearam, foram algumas
(muitas, não todas) pessoas que, sem o aparelho repressor do Estado (olha,
Althusser sendo invocado também) agiram e saquearam lojas, supermercados e
afins;
2. O ESTADO (o governador o
representa) TEM MAIOR PARCELA DE RESPONSABILIDADE PELO QUE ACONTECE. A insatisfação com as péssimas
condições de trabalho não é algo novo. Em outros momentos elas estavam
presentes. Pense comigo: correr atrás de bandido com coletes que mal aparam
água de chuva, quem dirá bala, pode ser considerado “trabalho seguro”?
reivindicar que se reforme o hospital dos militares é exigir demais? O policial
leva um tiro cumprindo sua função de proteger e não tem hospital para garantir
a vida dele – quando ele a arrisca por outras pessoas?
Nenhuma situação
como essa surge do nada ou é fruto do suposto clima anti copa apenas. Ela vem
sendo gestada continuamente, bala a bala, no dia a dia.
3.NEM TODO PM COMETE CRIMES. É lugar comum afirmar que “na
polícia só tem criminoso”. Vamos aproveitar o medo para ampliar a percepção: se
todo PM fosse criminoso, teríamos mais crimes acontecendo. Afirmar isso é dizer
que toda uma categoria é criminosa quando, se fosse verdade, teríamos uma
situação como a de hoje todos os dias. Na verdade, talvez nem estivéssemos organizados
como estamos. A barbárie seria maior e a suposta “civilização” não se
desenvolveria.
Mais um
pouco sobre esse ponto: é a mesma linha de raciocínio do adágio maldoso e muito
repetido: mulher no volante, perigo constante – quando é um homem que faz uma
barbeiragem, é aquele homem e não todos. Uma mulher, todas as mulheres, a
categoria mulher é (todas), nesse raciocínio, que não sabe dirigir.
Afirmar que a polícia não faz falta pois o bairro em que se vive não conta com a ação devida de garantir a segurança com certeza não é a forma de resolver a questão. Desmilitarizar a PM talvez seja (mas isso é assunto para outra postagem).
4. NEM TODO SAQUE FOI DE “SUPERFLUOS”. Muitas imagens foram veiculadas
mostrando lojas de eletrodomésticos, artigos de informática, sapatos sendo
roubadas. Mas, deve-se considerar que pessoas passando necessidades alimentares
também saquearam para garantir a despensa cheia, considerando a escassez
(falta) desses artigos cotidianamente.
Nesse ponto
chego a um aspecto que trato com minhas turmas quando, discutindo sobre combate
ao crime, afirmam que “bandido bom é bandido morto”. MENOS O QUE ROUBA LEITE. O
QUE ROUBA PRA SE ALIMENTAR, NÃO. O que nos leva para a próxima consideração:
5. TODO O ROUBO DEVE SER INVSTIGADO
E PUNIDO. Não estou
afirmando que deve-se deixar de lado a subtração do bem alheio, seja qual for,
mas, bem que seria produtivo fazer uma reflexão acerca da situação geral, que
pode ser encaminhada a partir do seguinte ponto:
6. EXIBIMOS PARA A MAIOR PARTE DA POPULAÇÃO
PRODUTOS QUE ELA NÃO PODERÁ ADQUIRIR E DEPOIS, QUANDO PODEM OBTÊ-LOS, QUEREMOS
QUE NÃO FAÇAM? Estamos
no campo do desejo, desejo que é quase incontrolável. Pense na seguinte
situação: leve uma criança para uma loja de doces (ou brinquedos), tudo
colorido, tudo dizendo: “me pegue, me leve para você” e diga para a criança: “você
não pode, mas queira, deseje, um dia, quem sabe, poderás ter!” O desejo quer
saciar-se e é uma forma de analisar o que acontece: mesmo ilicitamente, algumas
pessoas (não todas, lembrem), vão em busca daquilo que o tempo inteiro a
propaganda afirma que vai fazê-la “ser gente”, existir.
É parte de
uma estrutura social pautada no consumo do que na maior parte não se precisa. Antes,
tinha-se uma sociedade de produtores, quem trabalhava era explorado e excluído
por ser trabalhador mas, o que se tem hoje, é uma sociedade de consumidores,
marcada pela exclusão de quem não pode consumir tal ou qual produto de
determinadas marcas.
7. SE VOCÊ PENSOU: “QUERIA VER SE
FOSSE A TELEVISÃO DELE, O QUE IA DIZER”, PARE! PARE! PARE! Esse é o tipo de argumento marcado
pela emoção que é exatamente o que atrapalha qualquer tomada de decisões. Temos que lidar
com a situação que se configura perante nós e pensar no “e se”, nesse caso, não
vai resolver. Quando uma coletividade toma decisões a partir de emoções, sem
reflexões, temos a fabricação de linchamentos e arrependimentos posteriores; há
dificuldades de se manter a serenidade, há! Mas decisões imponderadas geram
danos maiores que o esforço para “esfriar a cabeça”;
Sobre a
greve da polícia e as repercussões, tanto da deflagração quanto do fim, elas devem
ser compreendidas como parte de um contexto que tem forte sustentação no modo
de produção capitalista e seu discurso naturalizador da desigualdade que não é
natural e sim social. A violência simbólica que os outros “99%” sofrem vai sendo represada e reprimida por
membros desses mesmos “99%”, que, quando decidem também querer seu paraíso,
fazem tremer praticamente todo o sistema.
PARA PENSAR MAIS SOBRE:


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